Stemmer: o homem por trás da estátua

Aposto que muitos já dividiram a mesa com sua estátua no térreo do Bloco A, ou ouviram esse nome. Mas você sabe quem foi, e o que fez, o professor Stemmer? Por que esse homem foi tão importante para nosso curso? Não se envergonhe em admitir que não faz ideia, pois devo confessar que minha própria falha em responder a essas perguntas foi o principal motivo para que este texto fosse escrito.

Estou chegando ao fim do meu quinto ano de UFSC e me dei conta de que tinha uma noção bastante vaga sobre o assunto. Sabia da estátua e lembrava de ler seu nome na bibliografia recomendada de usinagem (Ferramentas de Corte I e Ferramentas de Corte II), livros que sequer procurei para estudar. Descobri recentemente, porém, que essa é uma história que merece ser contada e conhecida por todos que se envolvem com nosso departamento. Ela começa no início dos anos 60, à época da fundação do curso de Engenharia Mecânica da UFSC.

Florianópolis era uma cidade ainda pequena e distante dos centros industriais de de um estado que dava passos lentos rumo à industrialização. Faltavam investimentos e a infraestrutura necessária para o desenvolvimento do setor. Esse cenário, obviamente, causava certa resistência do Governo Federal à ideia de criar uma escola de engenharia aqui. Entretanto, após uma série de esforços de João David Ferreira Lima, reitor da época, o Ministério da Educação permitiu que este projeto se concretizasse e, em maio de 1962, teve início sua primeira turma.

Graças a um convênio da UFSC com a UFRGS, vários professores gaúchos vinham, alguns dias por semana, até Florianópolis para dar aulas e instruir professores locais, que viriam a substituí-los no futuro. Entre eles estava o jovem professor Caspar Erich Stemmer, responsável por ministrar a disciplina de Construção de Máquinas, da última fase do curso.

Nascido em 1930 em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, graduou-se Engenheiro Mecânico Eletricista e Civil pela Universidade do Rio Grande do Sul e especializou-se na Escola Técnica Superior de Aachen, na Alemanha, de onde voltou propondo uma série de mudanças no ensino da engenharia. Em pouco tempo, tornou-se diretor da Escola de Engenharia Industrial da UFSC. Procurou dar as condições necessárias para que os professores permanecessem na universidade em período extraclasse, para se dedicarem aos alunos e laboratórios. Foi o responsável por implantar o sistema de dedicação exclusiva e um regime probatório rígido, além de instituir estágios em empresas como parte do currículo do curso.

Criou-se, também, a Fundação do Ensino da Engenharia em Santa Catarina (FEESC), primeira fundação universitária da UFSC, que viabilizou a criação do curso de Engenharia Elétrica. Graças aos esforços de Stemmer foram realizados os primeiros vestibulares descentralizados da UFSC, o que permitiu que alunos de diversas regiões do estado tivessem a oportunidade de ingressar nos cursos de engenharia.

O Bloco B foi construído nessa época, baseado em um projeto enviado pela UFRGS. Na primeira visita à obra, Stemmer percebeu que o piso deveria ser construído em um nível mais elevado, para evitar inundações. O reitor alegou que não convinha fazer alterações no projeto, e a construção prosseguiu daquele jeito. No início de 2013, ano em que ingressei no curso, ocorreu um grande alagamento no bloco B, algo que foi frequente nos quase 50 anos do prédio. Toma-se a lição de que se um engenheiro diz que algo vai dar errado, talvez seja importante ouvi-lo.
Em 1968, na Escola de Engenharia, cinco professores já possuíam o título de mestre, obtidos em outras universidades. Assim, Stemmer criou uma comissão para que fosse elaborado o projeto de um curso de mestrado em engenharia mecânica na UFSC. Stemmer ia pessoalmente conversar com empresas no interior de Santa Catarina, buscando saber do que elas precisavam em termos de pesquisa e desenvolvimento, e através desse contato conseguiu diversas oportunidades de estágio para seus alunos e investidores para as pesquisas e laboratórios do curso.
Em 1971, organizou, em Florianópolis, o Simpósio Nacional de Engenharia Mecânica, hoje chamado Congresso Internacional de Engenharia Mecânica (sim, essa foi a criação do COBEM, evento de que participaremos no próximo mês! Confira mais detalhes aqui). Como resultado de suas primeiras edições, fundou-se, em 1975, a Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas.

De 1976 a 1980 foi reitor da UFSC, e nesse período a participação dos docentes em regime de tempo integral aumentou consideravelmente e vários novos cursos de graduação foram criados, além do primeiro curso de doutorado da UFSC, em Engenharia Mecânica. Outro acontecimento importante foi a conclusão e inauguração do Hospital Universitário. Ao fim de seu mandato retornou ao Departamento de Engenharia Mecânica, como Chefe do Departamento. Sua estratégia vitoriosa foi pautada na exigência de alto nível educacional, formação de professores no exterior e aproximação com o mercado. Além da universidade, ocupou diversos cargos da administração federal. Foi Ministro de Ciência e Tecnologia no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, de janeiro de 1994 a fevereiro de 1995.

Stemmer aposentou-se da UFSC em 1998 e no ano seguinte recebeu o merecido título de Professor Emérito. Nos anos seguintes, recebeu os títulos de Comendador e de Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, assim como de o Cidadão Honorário de Florianópolis, concedido em 1999. Foi concedida a ele, também, uma homenagem da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Já nos anos 2000, também por conta de seus esforços, foi criado o curso de graduação em Engenharia de Materiais do departamento e estabeleceram-se parcerias com empresas e convênios internacionais para a capacitação de laboratórios e bibliotecas. Em 2009, Stemmer recebeu do Governo do Estado de Santa Catarina a condecoração Anita Garibaldi, em reconhecimento a sua brilhante trajetória profissional.
Em homenagem a seu destaque nacional no desenvolvimento da ciência, educação e inovação, a Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica de Santa Catarina (Fapesc) criou o Prêmio Professor Caspar Erich Stemmer da Inovação em Santa Catarina. Stemmer participou da cerimônia de premiação das duas primeiras edições do Prêmio, em 2009 e 2010.

Após vários meses hospitalizado, Stemmer faleceu na manhã do dia 12 de dezembro de 2012, aos 82 anos. Em dezembro de 2015 foi inaugurada sua estátua (em tamanho real) no jardim do Bloco A da Engenharia Mecânica, em um evento comemorativo pelos 50 anos de sua posse como diretor da Escola de Engenharia Industrial, atual Centro Tecnológico da UFSC.

Este foi um não-tão-breve resumo da trajetória de um homem que fez muito por nosso curso, departamento e universidade, e ouso dizer que conhecendo sua história me sinto ainda mais orgulhosa e honrada de também fazer parte disso. Acredito que a célebre frase atribuída a Isaac Newton se encaixa muito bem aqui:
“Se enxerguei mais longe, foi porque me apoiei sobre os ombros de gigantes”

Stemmer teve uma visão à frente de seu tempo, e suas realizações hoje permitem que nós também possamos enxergar mais longe.

Escrito por Giordana Urize Paiva, graduanda em engenharia mecânica da UFSC

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *